Tribunal de Contas: efeitos da “lista de inelegíveis” é o título do artigo do presidente Joaquim de Castro

Texto  foi publicado no jornal Diário da Manhã.

http://impresso.dm.com.br/edicao/20200926/pagina/4

 

Tribunal de Contas: efeitos da “lista de inelegíveis”

Como acontece em todo ano de eleições, os Tribunais de Contas de todo o País deverão disponibilizar, aos Tribunais Regionais Eleitorais e às Procuradorias Regionais Eleitorais, lista atualizada com o nome de todos os gestores públicos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ou com parecer pela rejeição mantido pelo Legislativo, ressalvados os casos em que a questão esteja pendente de apreciação pelo Poder Judiciário ou que haja sentença judicial favorável ao interessado, atendendo às exigências da Lei nº 9.504/1997 (art. 11, § 5º), conhecida como Lei das Eleições.

O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCMGO), por meio de decisão plenária do último dia 23, fez a divulgação e entrega da lista atualizada ao TRE-GO e à PRE-GO nesta sexta-feira, 25 de setembro, podendo complementá-la até a data da realização das eleições, 15 de novembro.

Constarão nessa lista aqueles gestores públicos municipais que, nos últimos oito anos, tiveram suas contas rejeitadas por irregularidade insanável e irrecorrível, bem assim aqueles que tiveram prestações de contas de convênios irregulares, denúncias ou representações julgadas procedentes, ainda que parcialmente, e de que haja resultado condenação da restituição de valores ao erário. Também integrarão a lista os casos de contas de Governo julgadas irregulares pelo Poder Legislativo, devidamente acompanhados das informações do respectivo decreto ou resolução, ainda que divergentes do parecer emitido pelo TCMGO, ressalvados os casos acima mencionados.

Cumpre esclarecer que o TCMGO não declara a inelegibilidade de nenhum agente político responsável por contas julgadas irregulares; apenas, e tão-somente, cumpre seu mister de contribuir com a Justiça Eleitoral, na declaração ou não da inelegibilidade, segundo determina a Lei Complementar nº 135 (Lei da Ficha Limpa), § 2º do art. 26-B, que dispõe que “os tribunais e os órgãos de contas auxiliarão a justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral na apuração dos delitos eleitorais, com prioridade sobre as suas atribuições regulares”.

Quem detém a legitimidade para ingressar com ação de impugnação de registro de qualquer candidatura é o Ministério Público ou qualquer partido político ou coligação e candidatos, cabendo ao Poder Judiciário a decisão final. Lembra-se que o fato de constar na lista de contas irregulares não significa que automaticamente já está inelegível aquele gestor, uma vez que necessário é que estejam presentes: decisão do órgão competente e irrecorrível no âmbito administrativo, desaprovação devido à irregularidade insanável e que configure, em tese, ato doloso de improbidade administrativa ocorrido nos últimos oito anos contados da decisão e ainda não exaurido, e não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

Claro que não se desconhece que o fato de constar na lista como potencial inelegível, por si só, traz prejuízos ao pretenso candidato, mesmo que não impugnado, uma vez que durante o período de campanha isso pode ser utilizado negativamente pelos concorrentes, que o apontarão como “candidato ficha-suja”. Por isso, ganham relevo a decisão do Tribunal de Contas e a importância do zelo para com a administração pública e a regular prestação de contas, observando-se as prescrições legais que regem a matéria.

Corriqueiramente, tem-se constatado que parte dessas irregularidades é de ordem técnica e formal, não sendo insanáveis ou com nota de improbidade administrativa, pois muitas dessas contas julgadas irregulares decorrem de razões que não caracterizam fraude à gestão pública, sendo constantemente apontados apenas erros de registro contábil em razão de um assessoramento inadequado ou até mesmo de prazo recursal não observado.

De outro lado, uma questão que tem causado discussão dentro do próprio Tribunal, sendo objeto de dúvidas por parte dos gestores e de seus advogados, diz respeito ao momento em que a decisão se toma irrecorrível.
Pelo Regimento Interno do TCMGO e de vários outros Tribunais, inclusive do TCU, existe previsão do recurso ordinário e embargos de declaração, estes com efeitos suspensivos e, ainda, recurso ou pedido de revisão (de natureza de ação rescisória), embargos de divergência e excepcional (sem efeito suspensivo). Aqui nascem as dúvidas e surgem as controvérsias.

A decisão é irrecorrível a partir do momento em que não mais comporta recurso com efeito suspensivo no âmbito do TCMGO. Por isso, se da primeira decisão sobre as contas o interessado sucumbente não interpõe nenhum recurso, deixando transcorrer in albis o prazo recursal, torna-se essa decisão irrecorrível; também, se o recurso ordinário interposto tem seu provimento negado; ou, ainda, o embargo de declaração não provido. Daí, no meu sentir, torna-se a decisão irrecorrível, começando a contar o prazo de oito anos para início do “cumprimento da penalidade pela rejeição ou irregularidade das contas”, independentemente da previsão de cabimento de recurso ou pedido de revisão.

O recurso ou pedido de revisão (caso do TCMGO) na seara do Tribunal de Contas tem natureza de ação rescisória e não propriamente de um recurso, tanto é que o prazo para interposição é de dois anos, a exemplo da rescisória na esfera cível, e as excepcionalidades seguem, mesmo que de longe, o poder de autotutela e de revisão dos próprios atos conferido à administração (Súmula 437 do STF), sem, contudo, atribuição também de efeito suspensivo.
Esta matéria, sobre a não suspensividade do efeito no revisional, já foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (ADI 447-4/200 – 200903536492 Rel. Des. Carlos Escher), com confirmação pelo STF (Ag. Reg. Rec. Extraordinário 633.802GO), em que se reconhece que o recurso de revisão é de natureza rescisória. Também o TSE já pacificou entendimento de que não afasta a inelegibilidade quando o gestor, que tem contas rejeitadas no âmbito nos Tribunais de Contas (TCU, TCE e TCM), ingressa com o mencionado recurso, no entendimento do Procurador de Justiça/RJ Marcos Ramayana, “porque não suspende o efeito da decisão e é identificado mais como ação rescisória” (RO 577/02, REsp Eleitoral 151-05.2012.04.0008, REsp. El. 204 17.2012.6.21.0071, Ag. Reg. No RO 1187-97.2014.6.09.000, RO 1187- 972014090000.

Finalmente, um ponto de desencontro que às vezes ocorre no Tribunal é sobre a suspensão ou interrupção do prazo para exaurimento dos oito anos a que se refere ao impedimento de concorrer a mandato eleitoral. Ora, se o revisional e as excepcionalidades não têm efeito suspensivo, não se pode falar em suspensão e muito menos em interrupção dos efeitos da decisão que se procura rescindir ou rever. Esse prazo, depois de a decisão se tornar irrecorrível com o julgamento do recurso ordinário, é contínuo, sem interrupção, a menos que o revisional ou o excepcional sejam procedentes. Aí sim, como houve desconstituição da decisão, cessam seus efeitos; do contrário, não sofrerá nenhuma interrupção.
Portanto, a meu ver, somente devem fazer parte da lista aqueles que tiveram suas contas rejeitadas ou julgadas irregulares nos últimos oito anos, sendo que o marco inicial para a contagem desse lapso temporal dar-se-á da data do trânsito em julgado do recurso ordinário dentro do Tribunal de Contas, caso manejado, ou da decisão inicial da qual ele não tenha sido interposto.

Devem os gestores e assessores atentar para este particular, para que possam exercer seus direitos políticos na plenitude, bem assim aqueles que pretendem fazer suas impugnações, para que a exerçam com observância desse importante requisito.

Conselheiro Joaquim de Castro
Presidente do TCMGO e do CNPTC

Skip to content