Os catalisadores do governo aberto no Brasil podem ser cruciais em 2022 e adiante

TCE/SC é citado em artigo por contribuir para a promoção da transparência e da participação social

Florencia Guerzovich, PhD em Ciência Politica (Northwestern University), Consultora internacional na área de governança e accountability, Co-Fundadora da organização da sociedade civil act4delivery.

Paula Chies Schommer, Doutora em Administração de Empresas (FGV – EAESP). Professora de Administração Pública e líder do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, na UDESC.

A agenda do governo aberto- um conjunto de ações voltadas a conduzir o Estado a um desempenho superior nos níveis de transparência, participação social e accountability é estratégica para o Brasil. O país, considerado parceiro-chave da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) desde 2007, passou a ser considerado para adesão ao bloco em janeiro de 2022. Entre as recomendações para o país avançar em sua candidatura, divulgadas em relatórios da OCDE, está a de ampliar esforços do governo brasileiro para promover integridade, combater a corrupção e fortalecer o governo aberto, em todos os niveis de governo. Para além dos possíveis ganhos económicos com a possível adesão à OCDE, o governo aberto pode trazer benefícios nas relações entre a cidadania e o Estado e na qualidade da democracia e do desenvolvimento do país.

A Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) é uma plataforma global lançada em 2011 para promover essa agenda. O governo brasileiro é membro fundador da OGP. O governo do estado de Santa Catarina e as prefeituras de São Paulo, Osasco e, a partir dessa semana, Contagem, também são membros da OGP. Um ponto chave da Parceria é que ela promove a coprodução do trabalho entre governos e sociedade civil. Como membros do grupo coordenador OGP em Santa Catarina, vemos pessoas de variados setores do governo, sociedade civil e academia, com distintas experiências e visões, trabalhando juntas para avançar em torno de alguns objetivos que

Entre 17 e 20 de maio, governos e sociedade civil desses locais compartilharam aprendizagens, resultados e necessidades, como parte da Semana de Governo Aberto Global. Junto com gestores e cidadãos do Brasil afora, participamos de 12 painéis, mesas e oficinas. Três pontos conectam as discussões: Governo Aberto é um processo coletivo intergeracional: o processo da OGP tem uma década no Brasil, porém ele se insere em processos de mais longa data em todos os níveis de governo. A história está nos tijolos com e sobre os quais se continuam construindo políticas, instituições, organizações e projetos que promovem transparência, cidadania, inovação e accountability. Está também nas aprendizagens sobre as perspectivas para seguir avançando gradualmente, numa caminhada que é complexa. Muitas vezes, são vários passos para frente, e alguns para trás. As bases do sistema podem ser total ou parcialmente desmontadas quando afetam interesses. São exemplos disso as ameaças à Lei de Acesso à Informação, que muitos estão tentando limitar ou reverter, e os retrocessos no arcabouço legal e institucional de combate à corrupção.

Como explicou Emilly Espildora, do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo, Colab Usp, em mesa da Semana de Governo Aberto no dia 20, para ir longe é necessário priorizar o que é factível e importante em cada momento. Propor soluções que hoje são mirabolantes como a única opção pode ser inspirador, mas também pode ser contraproducente. Isso é o que estudiosos dos processos complexos de mudança institucional, como o Professor Brian Levy, chamam de “working with the grain”, aproveitando o que já temos disponível em cada circunstância, em processos de construção institucional gradual. Se os resultados ideais ou ótimos não são viáveis, as segundas opções são tijolos valiosos. O desafio que enfrentam os promotores da agenda de governo aberto é continuar sustentando o processo no que é necessário, e avançar no que é possível, apesar de tudo.

Localização é chave para a escala e sustentabilidade: pensar em escala a partir do local pode parecer contraditório e politicamente arriscado. Pode parecer mais simples criar uma solução única para o país e replicá-la em estados e municípios. Focar no local requer começar a partir da diversidade. Um processo de governo aberto local não é uma versão micro da estratégia nacional. Não é só um espaço para replicar compromissos nacionais ou internacionais e depois agregar os resultados. As coisas não dão certo desse jeito simplista. Em Santa Catarina, por exemplo, a maioria dos municípios têm menos de 10.000 habitantes e os gestores que trabalham com aspectos da agenda de governo aberto são poucos. Ainda assim, tal como seus vizinhos de cidades maiores, como Blumenau e Brusque, governos locais, observatórios sociais e outras organizações tem um histórico, uma realidade e experiências que preexistiam à agenda de governo aberto como tal. Construir processos liderados localmente é crítico se buscamos não apenas números, mas também sustentabilidade. A localização é um princípio guia para que a caminhada de longo prazo continue.

O local, hoje, no Brasil, é fonte de inspiração, experimentação e energia para essa agenda, como foi em muitos outros momentos da democratização e da melhoria na gestão
pública. Vários estados e municípios fazem governo aberto, além dos membros formaisda OGP. Muitas vezes o chamam de outro jeito, como transparente, participativo e inovador.

Esse mosaico de experiências, que comunga diretrizes e estratégias adequadas à política, história, recursos e necessidades de distintos cantos do país, é chave para entender a capilaridade que permite alcançar a vida de mais pessoas a longo prazo. Em cidades de milhões como São Paulo, essa capilaridade pode acontecer por meio das subprefeituras, por exemplo, como explicaram as representantes da Prefeitura e do coletivo Delibera-Brasil.

Essa capilaridade também permite entender por que e quando um caminho para a abertura se fecha ou cria oposições poderosas, as lideranças conseguem se adaptar, ser flexíveis e achar outros pontos de entrada para continuar a caminhada para ganhar em resiliência. Muitas dessas histórias de resiliência foram compartilhadas durante a Semana de Governo Aberto, inclusive por nossos parceiros de Associações de Municípios,

Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Articulação para que o conjunto seja mais do que as partes: as relações pessoais e as redes formais e informais são essenciais para construir confiança, facilitar a coprodução e a aprendizagem social entre pessoas e organizações que vem de distintas práticas e refletem uma pluralidade de visões e experiências. Sem lideranças legítimas, com a capacidade de olhar todo o sistema e identificar oportunidades para essa pluralidade de vozes, essas redes não conseguiriam facilitar a aprendizagem entre diferentes. Não seriam capazes de facilitar a ação coletiva, especialmente num momento em que sopram ventos contrários. Bev e Etienne Wenger-Trayner chamam esse tipo de liderança de “systems convening”.

A Semana de Governo Aberto permitiu ver essa liderança na prática, ao vivo. É uma liderança sem heroísmo e com muitos dilemas. Quem é um bom parceiro? Quais ações priorizar e sobre quais bases construir? O que você precisa para expandir e fortalecer o espaço para a agenda de governo aberto? Como evitar riscos ao que já existe e funciona?

Em 2022, dois atores-chave no processo OGP estão aprimorando suas estratégias. A Controladoria Geral da União, CGU, instituiu o Time Brasil, um programa que promove o aprimoramento da gestão pública por meio da valorização da transparência, integridade e participação social. A própria OGP está revisando sua estratégia global. E, claro, no Brasil, teremos eleições. Todas essas são janelas de oportunidade para mudar os ventos em que nossos “systems conveners” continuam construindo o caminho do governo aberto. O desafio à nossa frente é como apoiar a continuidade e aprimoramento dessa jornada coletiva, sem esquecer suas bases e vozes locais.

Fonte: Estadão 

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